"Old loves they die hard
Old lies they die harder"

domingo, 21 de dezembro de 2014

Corvo

    As 3 motos estacionam nos fundos da casa noturna, figuras desmontam e ao retirarem seus capacetes, dois homens e uma jovem se entreolharam. Brendan passa a mão nos cabelo, negros cortados na altura dos ombros e espera as instruções de Marco e Sarah. Marco desmonta e dirigi-se até a porta falando algo com o segurança que acena afirmativamente, enquanto isso Sarah ajeita seus longos e brilhosos cabelos vermelhos, suas vestes marcam o voluptuoso corpo. Marco e ela se entreolham e ela enfim desmonta e o segue. Os dois somem pela porta.
     Brendan os observa , senta-se na moto apoiando um dos pés no chão, agora só lhe resta esperar. Aspira o cheiro da noite, irritado e odiando estar naquela situação humilhante de filhote que espera os mais velhos trazerem as notícias, controla seu ódio pensando que aquela é uma das barreiras que precisa transpor para chegar ao tão almejado topo, em breve, ela irá embora e então ele será o xerife. Depois de um longo tempo ela volta, ele a observa, detém-se no olhar pesado e nos passos cansados que agora ela esboça, apesar de odiá-la ele não consegue não preocupar-se com a integridade física e mental da insuportável e arrogante mulher, afinal, ela é uma fêmea de sua espécie e seus instintos mais primitivos lhe apontam que deve protege-la. Ela encosta o corpo na moto que ele pilota e suspira pesadamente.
-Preciso concluir seu treinamento logo. A voz dela soava fraca
-Ansiosa pelas férias? Ele tenta expressar humor nas palavras.
-Não..apenas eu... esqueça.
      Ela vira-se de costas ajeitando o cabelo, ele sabia que de nada adiantaria tentar arrancar dela mais do que o que fora dito, Sarah Toscano era a rainha das reticências, Brendan a odiou ainda mais por isso.
          No percurso, a moto dele seguia a moto dela e já sabia para onde ela iria quando percebeu que estavam avançando para o porto, não entendia o por que, mas em sua presença, ela despia-se de seu estúpido orgulho e mostrava-se quase humana, lembrou-se que estava próximo do dia de ela alimentar-se, agora em sua mente, tudo encaixava-se. Os dois compartilham da mesma maldição: alimentar-se de carne infantil, maldição herdada por todos os lamiais, um presente da maldita deusa Hera. Brendan acostumara-se aquilo e o fazia de forma maquinal, sem pensar no quão hediondo era aquele ato, mas ao vê-la, frágil daquela forma, com o olhar vazio fitando o mar escuro e revolto, sentia a tão conhecida dor da vergonha, contorcia-se por dentro com nojo de si mesmo. O vento bagunça os cabelos da mulher e o cheiro de morangos quase o faz esquecer o quão manipuladora e sórdida ela pode ser, por mais que ali, naquele momento,ela pareça apenas uma garotinha trêmula e assustada, Sarah Toscano era, sem dúvida,  a mais perigosa e traiçoeira mulher que conhecera. Mesmo com todo o ódio, gostaria de dizer a ela algo que tirasse de seus olhos aquelas lágrimas,talvez pudesse fazê-la sorrir e voltar a sua pose de senhora do mundo, ele voltaria a sentir-se confortável em desejar arrancar-lhe a cabeça. Ela parecia ainda mais vunerável ao abaixar suas armas e deixar mais a mostra sua fraqueza. "Vagabunda" xingou ele mentalmente e aproximou-se dela, envolvendo-a com seus braços, odiando tudo nela, seu cheiro, seu cabelo, sua voz, o calor que emanava de seu corpo, estar ali tão próximo dela era claustrofóbico. Ela deixou-se abraçar e permaneceu em silêncio com seu choro molhando a jaqueta que ele usava, afagando-lhe o cabelo ele pedia que ela se afastasse, mas não afrouxava o abraço, apertando-a contra si. Fitou-a nos olhos e disse firmemente:
-Não importa como se sente, não ouse não alimentar-se amanhã Sarah!
Ela manteve os olhos fixos nos dele, e nada falou.
-Está me ouvindo? Ele voltava a falar,energicamente.
Ela acenou afirmativamente e ele a soltou antes que fizesse a idiotice de ceder aos apelos daqueles olhos traiçoeiros e beijasse aqueles lábios venenosos. A mulher se recompôs e ele se viu grato por voltar a odiá-la.
-Temos que ir agora. Ele voltou a montar em sua moto e ligou o motor pronto para dar a partida.
-Você pode ficar comigo essa noite? Vou me alimentar e não gostaria de fazer isso sozinha.
"Filha da puta!" Ele a xingou mentalmente, "desgraçada!" "Claro", foi a única palavra que conseguiu proferir. Esperou que ela saísse e logo atrás, partiu.
          Ao chegarem a casa dela, logo no sofá viram a estranha gata,Bebeia, assistindo algo na tv e balançando seu rabo, o animal os encarou e disse com sua voz petulante:
-Bom dia, não é mesmo Sarah Toscano.
A mulher trocou um olhar com ele e revirou os olhos.
-Bom dia bebeia.
Sentou-se ao lado do animal no intuito de lhe fazer um carinho, o petulante bicho pulou do sofá e encarou a mulher estreitando os olhos amarelos:
-Pode me dizer por que não atendeu minhas ligações? Hein, Sra. Toscano? Mandei whatssap para você, liguei e você me ignorou.
Brendan suspirou e saiu da sala, deixando as duas terem sua discussão ridícula, recusava-se a presenciar tamanha estupidez. Na cozinha ocupou-se em preparar o nefasto alimento para Sarah comer, ao longe ouvia as duas discutindo. Foi ate a sala com o prato nas mãos, com um leve chute afastou a gata que reclamou.
-Come.
Ele entregou a ela o prato e esperou que ela comesse. Sarah quase chorava ao tomar os pedaços nos dedos e levá-los a boca, a medida que ingeria sentia-se mais forte mas ao mesmo tempo fraca e sozinha, o desespero lhe consumindo, Brendan sentou a sua frente, fixando os olhos nos dela para que ela sentisse força em concluir a cruel tarefa. Ao terminar Sarah respirou fundo, durante muito tempo fitou o chão, Brendan levou o prato até a cozinha, durante alguns segundos fitou a peça vazia antes de deposita-la na pia.

segunda-feira, 31 de março de 2014

O rosto


   
  Conteve um grito ao olhar as próprias mãos, o sangue escorria abundantemente, dirigiu-se ate a cozinha e colocou a mão embaixo do jato da torneira ate o sangue estancar e enfaixou o ferimento com um pano de prato. "Merda", xingava mentalmente enquanto procurava o celular, discou o número já decorado e esperou impacientemente que a voz do outro lado atendesse.
-Eduarda? A voz do homem soou quase histérica
-É..sou eu, aconteceu de novo, dessa vez foi mais profundo..pode vir aqui?

   Phillipe entrou no apartamento aparentemente tranquilo tendo em mãos uma bolsa preta com instrumentos para primeiros socorros e pequenas cirurgias,  Eduarda sempre que o via com a infame bolsinha ria, era quase impossível imagina-lo como enfermeiro. Ela abriu a porta, vê-lo ali, de pé, era tranquilizador. Ele a seguiu ate a cozinha em silêncio e só quando ela desenfaixou o corte ele perguntou:

-Mais visões?

Ela suspirou

-Sim..

-Pó de novo?

-Sim

Ela não olhava nos olhos dele, não se saber se por vergonha ou medo. Ele limpou o corte, em silêncio, contendo a raiva que sentia.  O corte fora realmente profundo, preparou todo o esquipamento e fez os pontos, logo depois fez um curativo e a encarou nos olhos. Ela recuou, odiava aquele olhar acusador dele.

-Você precisa parar...

Ela bufou de raiva como sempre fazia

-Não sou viciada..

-Ainda não, mas pode ficar. Ele retrucou com veemência.

E mais uma vez ela sentiu o sangue ferver, ele, mais do que ninguém sabia do que estava falando.  Phillipe estava com 32 anos e passou 3 anos da sua vida passou internado em uma clinica de reabilitação, tudo o que ele temia era vê-la na mesma situação, ele não sabia explicar, mas simplesmente sentia-se ligado a ela mas aos poucos foi descobrindo que ama-la era antes de tudo um exercício de paciência. Ele respirou fundo e soltou temendo a resposta :

-O que você desenhou dessa vez?

-Um rosto.  Nos olhos dela havia pânico.

-Um rosto? Ele repetiu incrédulo

-Um rosto de alguém que não conheço.

   Caminhou com ela ate o quarto, no chão, em sangue, havia um rosto masculino, muito bem desenhado, Phillipe estremeceu, de todas as visões que a garota tivera ate ali, aquela, sem dúvida, é a de longe mais realista e assustadora.

-Phillipe..eu tô com muito medo, quem é esse cara?

Ele se aproximou dela, abraçando-a

-Seja quem for, não vai te fazer mal.

Phillipe seguiu para casa, sentia que algo havia lhe escapado, um detalhe, caminhou e parou bruscamente de frente a uma banca de jornais, olhou os jornais e ao fixar sua atenção em um jornal em específico sentiu todo seu medo vir a tona: Ali estava, o rosto que Eduarda desenhara.

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