"Old loves they die hard
Old lies they die harder"

sábado, 14 de março de 2015

Sarah



Winter

-Sarah?

A voz de Andrade soou tensa.

-Diga..

-Precisamos conversar, posso ir até sua casa?

-Brendan se foi, entregou o cargo de algoz e saiu da cidade noite passada. Eu... não sabia como dizer isso a você. Andrade parecia preocupado, eu fingi que não me importava, eu finjo muito bem.


E desde então, tem sido difícil demais manter o falso sorriso, eu estou quebrada demais para fingir. Não compreendo porque ele quis tanto que eu me apaixonasse se não tinha intenção de ficar. Eu não mereci nem mesmo um adeus ou uma explicação, ele simplesmente partiu, deixando em meu coração um buraco e em meu ventre uma criança condenada. Ele achou mesmo justo me machucar tanto? Eu acreditei em todas as mentiras, me sinto uma tola. As vezes duvido mesmo que estou gravida, essa criança não se mexe, estou com quase dois meses e não a o mínimo sinal de vida do pequeno ser. Estaria mesmo vivo? Ou esta morto e eu estou morta demais pra sentir? Estamos em turnê, a minha vontade de viver é mínima e eu me esforço pelo meus companheiros, vejo nos olhos deles a preocupação e o temor por mim, continuo minha saga de fingir não me importar ou não sentir, mas a noite, no meu quarto, ou na minha cabine no ônibus da banda, o choro vem, sem freios e eu apenas me deixo lavar, as vezes cantarolo baixinho:

"Oxum lava meus olhos
Oxum minha emoção
Oxum lava meus olhos
Oxum minha emoção"

Os dias se arrastam e em uma noite ele entra no meu camarim, por um instante eu me vejo esperançosa, "ele voltou, ele veio consertar o que fez, ele vai cuidar de nós" eu penso e meu coração acelera de felicidade, como uma menina bola eu o olho cheia de expectativa, eu sinto a força que nos liga, o vinculo de amor e desejo que foi capaz de gerar uma cria, ele permanece parado, me fitando. Quero abraça-lo, dizer que esta tudo perdoado, eu o amo e o aceito de volta, mas algo em seus olhos me faz recuar, aquilo não é um retorno, é apenas um Adeus concreto, ele esta nos deixando em definitvo, ja retirou suas coisas da minha casa, deixa a chave sobre a mesa e justifica que: "estou fazendo isso para que você tem nossa cria sem riscos, 3 lamiais em uma cidade é perigoso". Eu quero mata-lo, meu sangue ferve e as lagrimas caem, como ele pode ser tão egoísta? Mesmo com todas as emoções eu permaneço parada, olhando-o sem nada dizer, ele sai porta afora e eu desabo, na manhã seguinte volto pra casa, decidida a finalizar essa história. Encontro Agatha no templo, ela não comenta mas minha aparência a preocupa, entrego a ela uma lista de ervas e seus olhos arregalam a medida que prossegue com a leitura.

-Você quer matar seu filho?

-Agatha...

-A Deusa lhe deu um presente e você quer mata-lo?

-Ele vai morrer de qualquer jeito... falo com desdém

-Eu não vou matar seu filho, eu não vou matar um mistério da mãe

-Agatha... você precisa me obedecer, sabe disso.

Ela estreita os olhos e sai. Sinto em meu coração o peso das minhas palavras, não gosto de machuca-la.

Volto para a casa e aguardo seu retorno, ouço ela gritar por mim, corro ate la e ela esta aos prantos.

-Você não pode matar seu filho...olhe

Ela me mostra as folhas recém colhidas, apodrecidas na cesta.

Estou com 3 meses, nenhum sinal da minha cria, ela não cresce e permanece silenciosa, meus companheiros de banda me olham preocupados,minha situação é anormal em vários níveis.

-Você foi ao médico? Mark me questiona

-Você não ta se alimentando. Isaac me cobra.

-Sua barriga não tá crescendo. Rachel me lembra.

- Seu bebê tá morto? Selene parece assustada.

Estou cansada, apenas ouço e nada falo.



-10 minutos, gritam na porta e eu suspiro, será sofrível subir mais uma vez naquele palco e não dar aquelas pessoas o que elas esperam, mas, é meu trabalho.





Como cantar as músicas que ele me ajudou a compor? Nunca pensei que essa dor me corroeria. Como não pensar que estou sozinha? As lágrimas querem vir, mas eu não posso deixar, os fãs não entenderiam se eu chorasse. Mark atendeu meu pedido, não há baladas no set. Hoje é dia das bruxas e eu improvisei uma maquiagem inspirada em um filme que assisti com o filho da Rachel, algum humor e um pouco de vida se fazem em mim. Brendan não deu mais nenhuma noticia, nenhuma carta, ele apenas se foi. Os dias são apenas um borrão, embarquei nessa turnê, estou fugindo e não tenho vergonha de confessar.
Nesse palco eu redescubro que cantar faz parte de mim, que cantando eu danço comigo mesma, eu enfrento meus demônios, lavo minha alma da dor e dar vergonha, eu posso ser eu mesma. A Deusa me abraça e eu enfim me sinto livre.
Aplausos e sorrisos, foi um sucesso, mas ninguém entende porque me escondo, eu choro porque estou só, eu me desespero por que terei que matar meu filho, eu sou um monstro em um mundo onde eles não são nada bem vindos.

"Sometimes I feel I don't have the words
Sometimes I feel I'm not being heared
And then I fear I'm feeling nothing more"

Minha voz embarga, não posso continuar, afundo meu rosto nas pernas e sou consumida.

Alguém esta ali comigo é uma presença improvável mas conhecida, o cheiro é inconfundível pra mim.

-Eu estava no show, foi um sucesso, como sempre. Ele sorri

Olho pra ele surpresa, esboço o melhor sorriso que posso.

-Não sabia que estava por aqui. Comento casualmente.

-Eu não estava, eu vim por você. Ele olha nos meus olhos e sorri.

-Por..mim? As palavras saem recheadas de incredibilidade.

-Sim Sarah, por você. Imagino como os dias estão sendo ruins.

Eu mal acreditava que ele veio de tão longe apenas para me ajudar.

Ele suspira, não um suspirar cansado, mas o suspirar de quem assimila o ambiente ao redor.

-Você não precisa enfrentar isso tudo sozinha Sarah, você não precisa dessa armadura comigo, eu conheço você, sabemos de coisas um do outro que ninguém mais sabe, e temos um passado, tanto nessa como em outras vidas, se você me deixar ficar, eu vou poder te ajudar a atravessar esse rio.

Eu apenas choro, em silêncio, olhando a noite escura e fria. Os braços dele me envolvem, um abraço morno e acolhedor, algo nele me acalma e me convida a por um minuto que seja, não pensar nas minhas guerras internas.

Os braços de Anku se tornaram meu refugio desde aquele dia.

                   

                   

Spring

O inverno se foi, incrivelmente quem trouxe a primavera foi aquele que eu sempre vi como o Sr. do Azevinho, Anku me fazia sorri, de uma forma natural e espontânea, sua companhia me devolveu a alegria e o sorriso, o bebê enfim começou a crescer e então notei algo estranho: já não conseguia mais ir para minha forma de cobra, tentei algumas vezes sem sucesso e então procurei um medico conhecedor do mundo sobrenatural e pedi que examinasse meu bebê e para meu espanto: um bebê humano, com placenta e cordão umbilical, todos os exames confirmaram uma menina humana. Esperei ansiosa pelo nascimento, curiosa pra saber como seria sua aparência, gravamos um DVD e fizemos mais alguns shows, e fui compor para o novo CD enquanto espero o grande dia. Musicas alegres ecoam em minha mente, me mudei para a casa de Anku nessa reta final, e a casa esta sempre cheia de amigos, ajudando, brincando, me acalmando quando me apavoro com o parto. Marco vem sempre aqui com a Jade sua filha, ele fica horas e horas cantando para minha barriga, as vezes Anku se junta a ele, as vezes Mark, e ela gosta, fica quietinha. Comecei a sonhar com ela, temos longas conversas mas ao acordar não me recordo o assunto. Sei que pedi perdão por ter pensado em tira-la, sei que ela me perdoou, estamos caminhando juntas, somos uma só.
Chegou o grande dia, poucas vezes senti tanta dor, ela parece desesperada para nascer, apoio-me no Anku, ele enxuga o suor da minha testa e sorri.

-Você ta indo muito bem Sarah, continue assim.

Tento sorri, mas dói muito.

Agatha com ajuda de Vithor e Yvos Agatha trás Luiza ao mundo, ela berra a plenos pulmões, poucas vezes vi uma criança tão viva, minha ariana do dia 12 de abril, nascida em um dia de sol, em pleno outono, em um rio consagrado a grande mãe. Fico abraçada a ela, tão pequena e sensível, ouço seu coração e é como se fosse o meu batendo fora do meu corpo. Anku me abraça, cansado e sorridente. Ao longe ouços os gritos de alegria do Marco e dos meninos ao saber da noticia. Luiza nasceu, venceu o meu inverno e me fez florescer, minha pequena menina, meu grande amor.

"Minha cor
Minha flor
Minha cara

Sol do dia
Nuvem branca
Sem sardas

Não sei quanto o mundo é bom
Mas ele está melhor
Desde que você chegou
E explicou o mundo pra mim"


Eu enfim, me sinto em paz.

"I'll come on home
I'm in the light of day
Questions were answered
A new life's arms are extending

The final page has turned, sending the letter
Come on home
And I'll sing you the song that has painted your canvas of life"




Summmer 

Beltane sempre foi meu sabath favorito, luiza nasceu a cerca de 1 mês e me sinto feliz como nunca antes, Anku me ajuda em tudo e após o nascimento veio a consciência do que esta nascendo entre mim e ele é algo além da amizade e companheirismo, existe um elo que nos liga, me acostumei com seu riso frouxo e seus momentos de melancolia, gosto de saber que ele esta la, mas também me arrepio quando se aproxima de mim, amoleço quando dançamos ou nos abraçamos, é como eletricidade, uma corrente nos unindo. As noites são quentes e acordo ofegante e suada, sonhos trazem cenas desejadas e suspiro sem mesmo perceber. Sei que ele percebe o mesmo, noto o olhar comprido que ele da para o Marco quando vem aqui, existe ali uma nuvem de ciume e um medo de perder. eu o quero e ele me quer, o que nos afasta então? Não sei responder. 
Brendan me ligou dias depois que a Luiza nasceu, logo depois veio aqui, tivemos uma conversa franca, expliquei como havia me sentido, ele explicou como se sentia, o medo dele o afastara de mim, li em seus olhos que ele queria voltar, percebi em suas palavras a amargura que a minha falta lhe causa, mas meu coração não mais lhe pertence, nós nos amamos, em uma outra vida, em uma outra história, hoje somos passado e nosso vinculo presente é apenas a nossa filha e talvez a amizade que ainda pode ser vivida. 

"E depois de um tempo eu entendi que esquecer não significava ignorar uma chamada no telefone, nem evitar reencontros casuais. Eu descobri que quando você esquece, atende o telefone e sua voz não falha, que reencontros casuais não mais faziam as pernas tremerem. Eu descobri que o lado mais triste do amor, é não sentir mais nada."

O Beltane chegou com sua alegria e seu calor, tudo são cores e festa, nosso coven cresceu, temos convidados de outros grupos, olimpianos, azatrus e druidas, Anku faz seu papel de sacerdote anfitrião com maestria, mais uma vez me pego suspirando, seus cabelos ornam com a coroa de folhas, o Deus esta diante de mim, em seu vigor e beleza. A dança das fitas começa, você com uma fita preta, eu com uma rosa, eu penso em você enquanto olho nos seus olhos quando nos cruzamos, meu coração palpita, eu amo você, nunca estive tão envolvida, quero você, cada encontro isso evidencia, em mim e em você e então nos beijamos, no meio da dança, inexplicavelmente, você sorri e sussurra: meu pedido de beltane é você.
Escapamos no meio da festa, como adolescentes, entre beijos e apertos tão desejosos entramos no rio, o mesmo rio que nossa filha nasceu, você me abraça, me sinto protegida mas ao mesmo tempo faminta, quero você com tamanha intensidade que me sinto febril. Nosso amor se estende pela noite adentro, na agua, nas pedras, na terra fofa e úmida. Me senti sua e senti você como meu e assim foi e assim tem sido.




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